ESTOU DEFENDENDO VOCÊ
Quando eu estudava Teoria Geral do Direito III -
Filosofia do Direito - arranjei três inimigos, dois rapazes e uma moça,
inimigos de verdade pois muitos anos depois encontrei dois deles, a moça
inclusive, no forum e sequer se dignaram a falar comigo.
Nesta matéria se estuda o que é o direito e como
ele se justifica, como o direito se legitima na sociedade, enfim, se
estuda como as diversas filosofias do direito procuram responder porque o
direito deve existir e como cada uma delas de acordo com seus fundamentos
procura dar a melhor resposta para as questões jurídicas.
O professor deu como trabalho para uma das
avaliações que cada aluno escrevesse um texto dizendo qual o voto exarado pelos
membros do tribunal melhor esposava o direito no livro O CASO DOS EXPLORADORES
DE CAVERNAS [1].
A estória que ensejou o julgamento no livro é a
seguinte: um grupo de espeleólogos foi aprisionada em uma caverna devido a um
desabamento e para sobreviver mataram um do grupo para servir de alimento
enquanto a equipe de socorro providenciava o resgate.
O que foi morto para alimentar os restantes foi
exatamente o que propôs tão extremada solução, que para complicar se arrependeu
da proposta mas mesmo assim entrou no sorteio e deu azar.
Cada voto de juiz no tribunal é fundado em uma
filosofia do direito. Lá estão o historicismo jurídico, o jusnaturalismo, o
sociologismo jurídico e o normativismo a justificar cada decisão.
Eu escolhi como voto menos ruim para o caso o que
condenava à morte os caras que mataram o sorteado para servir de alimento.
Disse que eu era contra a pena de morte mas era a lei vigente a que o caso se
subsumia e não era caso de legítima defesa.
Fui chamado de positivista, seguidor de Kelsen (o
que muito me honrou pois ele é o maior jurista do século XX), enfim, a razão
submergiu à emoção e ganhei três inimigos gratuitos por defender que juízes
devem cumprir a lei, gostem ou não da lei. A opção de um juiz
reformar uma lei pela interpretação ou se negar a extrair dela o direito
vigente por considera-la injusta não existe no ordenamento jurídico.
Todo advogado já passou pela situação de ter que
dizer a seu constituinte que se o caso dele for julgado conforme o direito
vigente será vencedor na demanda e que, portanto, deve rezar para o santo de
sua devoção para que o juiz faça cumprir a lei.
Lenio Streck com muita propriedade alerta sempre
para o risco que o direito sofre de ser canibalizado pela moral, pela política
e outras manifestações de subjetivismo que culminam no desrespeito aos
limites do texto legal e o juiz decidindo como quiser.
No Brasil raramente os juízes julgam, a
regra é que escolhem quem vai sair vencedor na lide. Todavia, escolher
não é julgar, como já alertou inúmeras vezes Lenio Streck.
Nestas terras quem defende que juízes e tribunais
devem cumprir a lei é minoria e até mesmo alvo de escárnio. Bovinamente repetem
famosos doutrinadores: “Será que você não sabe que o direito é o que juízes e
tribunais dizem que é o direito?”
Este mantra bocó é repetido mesmo que juízes e
tribunais decidam em colisão frontal com o texto legal. É verdadeiramente um
absurdo o que o Poder Judiciário faz com o direito no Brasil e com o
consentimento de advogados, doutrinadores e dos posudos membros do Ministério
Público.
Quando insisto diante dos olhares cínicos que tenho
o direito de exigir que juízes e tribunais cumpram as leis só me lembro da
frase de Ciro Gomes: “Eu estou é defendendo você, seu filho de uma puta.”
Nota
[1] O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS
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