quarta-feira, 15 de junho de 2016

    ESTOU DEFENDENDO VOCÊ


                             

Quando eu estudava Teoria Geral do Direito III - Filosofia do Direito - arranjei três inimigos, dois rapazes e uma moça, inimigos de verdade pois muitos anos depois encontrei dois deles, a moça inclusive, no forum e sequer se dignaram a falar comigo.

Nesta matéria se estuda o que é o direito e como ele se justifica, como o direito se legitima na sociedade, enfim, se estuda como as diversas filosofias do direito procuram responder porque o direito deve existir e como cada uma delas de acordo com seus fundamentos procura dar a melhor resposta para as questões jurídicas.

O professor deu como trabalho para uma das avaliações que cada aluno escrevesse um texto dizendo qual o voto exarado pelos membros do tribunal melhor esposava o direito no livro O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS [1].

A estória que ensejou o julgamento no livro é a seguinte: um grupo de espeleólogos foi aprisionada em uma caverna devido a um desabamento e para sobreviver mataram um do grupo para servir de alimento enquanto a equipe de socorro providenciava o resgate.

O que foi morto para alimentar os restantes foi exatamente o que propôs tão extremada solução, que para complicar se arrependeu da proposta mas mesmo assim entrou no sorteio e deu azar.

Cada voto de juiz no tribunal é fundado em uma filosofia do direito. Lá estão o historicismo jurídico, o jusnaturalismo, o sociologismo jurídico e o normativismo a justificar cada decisão.

Eu escolhi como voto menos ruim para o caso o que condenava à morte os caras que mataram o sorteado para servir de alimento. Disse que eu era contra a pena de morte mas era a lei vigente a que o caso se subsumia e não era caso de legítima defesa.

Fui chamado de positivista, seguidor de Kelsen (o que muito me honrou pois ele é o maior jurista do século XX), enfim, a razão submergiu à emoção e ganhei três inimigos gratuitos por defender que juízes devem cumprir a lei, gostem ou não da lei. A opção de um juiz reformar uma lei pela interpretação ou se negar a extrair dela o direito vigente por considera-la injusta não existe no ordenamento jurídico.

Todo advogado já passou pela situação de ter que dizer a seu constituinte que se o caso dele for julgado conforme o direito vigente será vencedor na demanda e que, portanto, deve rezar para o santo de sua devoção para que o juiz faça cumprir a lei.

Lenio Streck com muita propriedade alerta sempre para o risco que o direito sofre de ser canibalizado pela moral, pela política e outras manifestações de subjetivismo que culminam no desrespeito aos limites do texto legal e o juiz decidindo como quiser.

No Brasil raramente os juízes julgam, a regra é que escolhem quem vai sair vencedor na lide. Todavia, escolher não é julgar, como já alertou inúmeras vezes Lenio Streck.

Nestas terras quem defende que juízes e tribunais devem cumprir a lei é minoria e até mesmo alvo de escárnio. Bovinamente repetem famosos doutrinadores: “Será que você não sabe que o direito é o que juízes e tribunais dizem que é o direito?”

Este mantra bocó é repetido mesmo que juízes e tribunais decidam em colisão frontal com o texto legal. É verdadeiramente um absurdo o que o Poder Judiciário faz com o direito no Brasil e com o consentimento de advogados, doutrinadores e dos posudos membros do Ministério Público.

Quando insisto diante dos olhares cínicos que tenho o direito de exigir que juízes e tribunais cumpram as leis só me lembro da frase de Ciro Gomes: “Eu estou é defendendo você, seu filho de uma puta.”

Nota

[1] O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS

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