quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

AS ILUSÕES A SEREM PERDIDAS

                                  A santíssima trindade da República Federativa do Brasil

Existem pessoas acreditando realmente que o julgamento do "mensalão" - Ação Penal 470 -, que resultou na condenação de pessoas sabidamente inocentes como Dirceu, Delúbio e Genoíno, é um sinal de que o país mudou.

A verdade é que existem muitas ilusões depositadas nesta crença referente as instituições basilares do Estado brasileiro, tais sejam o Poder Judiciário, as Forças Armadas e Ministério Público. Vejamos a resposta a simples pergunta: quais modificações ocorreram no Judiciário brasileiro em decorrência do julgamento da Ação Penal 470? Nenhuma alteração ocorreu. Permanece intacta a estrutura e a mentalidade corporativista do Judiciário brasileiro


A realidade é que o julgamento faccioso, enviesado para condenar obstinados adversários da classe dominante, e as condenações que lhe advieram guardam fidelidade com a tradição do STF. Basta lembrar a autorização para a extradição de Olga Benário Prestes em 1936, grávida, diretamente para as garras dos nazistas e depois para um campo de concentração onde morreu e a subserviência e colaboração do "guardião" da Constituição com a ditadura instalada em 1964.


Herdadas do Estado escravocrata e monarquista estas corporações[1], principalmente o Poder Judiciário, continuaram quase intocadas na República - têm o molde das corporações da Idade Média - e sem se submeterem aos princípios republicanos são corpos estranhos no Estado Democrático de Direito, pelo poder que dispõem abrigam uma aristocracia no coração da República.
 
O Poder Judiciário tem a estrutura e o funcionamento de uma corporação, dispõe de autonomia orçamentária-financeira e administrativa (art. 99 da Constituição Federal) bem como existem com iguais atributos as Forças Armadas e o Ministério Público (art. 127 da Constituição Federal).



Portanto, pelo poder, pela autonomia administrativa e pela grana que dispõem em orçamento próprio controlam com mão-de-ferro a ascensão e o ingresso de novos membros. Pior, sem controle da sociedade criam uma subcultura corporativista e infensa a mudanças não reconhecendo o protagonismo das classes sociais vêem a sociedade como tendo uma relação estática entre a elite e a massa.  


Como corporações que são seus membros mais elevados pagam a si próprios com a grana pública sem fiscalização real e sem controle da sociedade. A Ministra do STJ Eliana Calmon enquanto foi Corregedora-Geral no CNJ - Conselho Nacional de Justiça -  lutou e perdeu, não conseguiu obter os contracheques dos funcionários e Desembargadores dos Tribunais e dos órgãos do Ministério Público



Os membros dirigentes destas corporações se auto pagando são privilegiados na República transformando estas corporações em anteparo entre a classe dominante e o povo. Assim, viciadas na subcultura corporativista passam a ter verdadeira ojeriza aos agentes sociais e políticos que se batem contra os privilégios e a abissal desigualdade social. 


Não tenho dúvidas que a cúpula do Estado brasileiro é uma aristocracia criada pela sabedoria perversa da classe dominante. Pelos salários, pelo poder que dispõem seus principais membros e por estarem estas corporações longe de qualquer disputa política são por consequência redutos da direita, a última carta na manga para deter os avanços e conquistas dos trabalhadores.

Nota
[1] Conceito, definição e história das corporações. http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpora%C3%A7%C3%B5es_de_of%C3%ADcio

domingo, 1 de dezembro de 2013

                UM  INSTANTE  NA  HISTÓRIA 




Cid Benjamin ampara Vera Sílvia impossibilitada de se pôr em pé depois das torturas sofridas em um Quartel do Exército. Foto de 1970 guardada no Arquivo Nacional em Brasília.
                   

Ao ver esta fotografia hoje, 24/11/13, divulgada pela Folha de São Paulo fiquei comovido pela grandeza e coragem de alguns brasileiros. Na foto estão duas pessoas, Vera Sílvia Magalhães e Cid Benjamim, ainda jovens. 

Na data desta fotografia, 1970, Vera e Cid tinham 21 anos de idade e pertenciam ao MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), uma dissidência do Partidão sediada no então Estado da Guanabara. 

Eles fizeram parte de uma imensa legião de cidadãos brasileiros pelos quais sempre tive incomensurável admiração, respeito e um profundo sentimento de fraternidade, os bravos camaradas que fizeram a resistência armada contra os criminosos que assaltaram o poder em 1964 rompendo a legalidade, principalmente tornando sem efeito a Constituição de 1946.
Vera Sílvia faleceu em 2007 vitimada por um câncer; Cid está em plena forma e atuante, recentemente publicou o livro de memórias e reflexão sobre sua militância na luta armada com um título que é um verso: "Gracias a la vida - memórias de um militante". 

Ao romperem com o Partidão, que tinha como modelo de socialismo a URSS, os jovens militantes daquela época deram o passo inicial para libertar a esquerda dos dogmas do marxismo-leninismo, abriram o caminho para a existência de um partido de esquerda como o PT, um partido organizado em bases teóricas completamente distintas da teoria leninista de partido.
0s dois participaram da captura do embaixador americano Charles Burke Elbrick em 5 de setembro de 1969 - que foi trocado pela liberdade de 15 presos políticos embarcados no conhecido Hercules-56 para o México[1];  entre eles estava José Dirceu. 

Foram presos e torturados pouco tempo depois da libertação do embaixador. Segundo Vera[2] Cid lutava karatê e enfrentou os celerados da repressão em luta corporal no ato de sua prisão, foi ferido na cabeça e levou 15 pontos no ferimento, a frio, sem anestesia, dados pelo médico e auxiliar de tortura Amilcar Lobo (recentemente o próprio Cid respondeu a uma pergunta feita por mim sobre seus conhecimentos de karatê e me afirmou pelo Facebook que tinha praticado judô quando criança). 


Os dois jovens guerrilheiros só ganharam a liberdade e o exílio quando foram trocados juntamente com mais 38 presos políticos pelo embaixador alemão Erenfried von Holleben[3] capturado e trocado em junho de 1970 em uma ação comandada por Eduardo Collen Leite, o intrépido Bacuri. 

Vera dizia que só os melhores de sua geração optaram pela luta armada. Não tenho dúvidas da verdade desta afirmação da bela e destemida ex-guerrilheira. A sociedade brasileira foi vergada pelo terror de Estado, instituições como o Judiciário e o Ministério Público foram reduzidas a nada pela violência ou ameaça, promotores e juízes que hoje se arvoram arautos da legalidade lamberam os coturnos, muitos deles  espontaneamente. . .
Só aqueles cidadãos que não aceitaram se deixar pôr de joelhos, não se deixaram vergar e intimidar, ofereceram resistência pelo único meio possível, terçando armas com os homicidas que ocuparam o poder e seus pistoleiros das polícias e aparato clandestino de repressão. 

A foto perpetua um instante na história e também a coragem e honradez de quem não correu para debaixo da cama, não se deixou vergar e intimidar pelos criminosos que por mais de 20 anos mandaram nesta República. 


[1] O livro "HÉRCULES 56" e o documentário com o mesmo nome, os dois de Silvio da Da-Rin, contêm o depoimento de alguns ex-guerrilheiros que participaram da ação e dos presos políticos libertados. http://www.youtube.com/watch?v=xxPNQfNpkOo    
[2] Documentário disponível no Youtube: "Vera Sílvia Magalhães - A história de uma guerrilheira" - http://www.youtube.com/watch?v=8OLiyKj08eU
[3] Alfredo Sirkis em seu livro "OS CARBONÁRIOS" narra com riqueza de pormenores a captura e troca do embaixador alemão.