domingo, 5 de maio de 2013

O futuro do PT e o Poder Judiciário



 O futuro do PT e o Poder Judiciário
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Estava escrevendo um texto sobre o Poder Judiciário quando li no blog de Eduardo Guimarães, O Blog da Cidadania, um artigo, “O indiciamento de Lula e o preço da covardia petista”, comovente e para mim verdadeiro em seu vaticínio. Interrompi o que estava escrevendo para manifestar minha concordância com a previsão de dias sombrios antevistos por Edu.

Para Edu a reação frouxa do partido ao julgamento da Ação Penal 470, apenas uma nota questionando a violação das garantias constitucionais, e agora o silêncio diante da instauração de Inquérito Policial pela Polícia Federal no Distrito Federal para apurar as declarações de Marcos Valério envolvendo o ex-presidente Lula com o “mensalão” são erros fatais do PT.

Raciocina o atilado blogueiro que a tática de não enfrentamento, não mobilização da sociedade contra um julgamento marcadamente político e viciado no STF, bem como o silêncio diante da investigação instaurada contra o ex-presidente é um engano.

As cabeças de Zé Dirceu, Genoíno e Delúbio Soares não saciarão aqueles que as degolaram, o Ministério Público, o Judiciário e a mídia golpista. A cúpula dirigente do PT só descobrirá isto muito tarde, quando o PT estiver desmoralizado, destruído, e com seus principais dirigentes na cadeia, digo eu.  

Para mim é nítida a origem da bronca contra o PT. A causa não são os defeitos, mas as virtudes do partido e seus objetivos. No momento o PT é a força política mais avançada, numerosa e organizada da sociedade brasileira a conduzir as reformas que a sociedade e o Estado necessitam, principalmente a distribuição de renda. Se o PT não é perfeito é o melhor que temos.

Sempre combatido pelos inimigos e adversários, por competência política de seus destacados dirigentes alcançou chegar ao poder em 2002 e implementar as reformas que todos conhecem. Envolvido nas mesmas práticas dos outros partidos, principalmente o PSDB, o uso do caixa 2[1] para financiamento de campanhas, o partido não teve o mesmo tratamento dispensado ao PSDB pela mídia, pelo Ministério Público e sequer pelo STF, que deveria julgar com base nas provas e respeitando as garantias constitucionais dos acusados e assim não procedeu.

Como age o Ministério Público nos dois casos

Para se entender como o tratamento ao PT foi diferenciado é preciso não  olvidar o que é o Ministério Público, bem como conhecer o Poder Judiciário, as histórias destas instituições, a verdadeira história, a história ocultada, as entranhas destes inimigos da República.

Com muito lixo embaixo do tapete esperando o ventilador da Comissão da Verdade, o MP durante a ditadura fazia parte do Poder Executivo depois da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, ato espúrio produzido pela junta militar conhecida como “os três patetas”: cabia ao Ministério Público durante a ditadura dos militares o papel desmoralizante de zelar pela aplicação da legislação de fato produzida pelo ditador do momento, os decretos-leis, leis aprovadas por decurso de prazo e os atos institucionais.

Para competir com o MP em servilismo à ditadura instalada em 1964 só o Poder Judiciário. Toda ditadura é a vitória da força contra o direito e mesmo sabendo disso o Poder Judiciário aplicava a legislação de fato produzida pelo governo de fato fazendo de conta que não existia uma ditadura, em uma manifestação de cinismo ético-jurídico raramente visto.  

Todos sabiam que com a supressão dos direitos fundamentais a tortura era a regra nas Delegacias de Polícia - era flagrante a violação dos DIREITOS HUMANOS -, tudo ocorrendo sob silêncio cúmplice do Ministério Público. A exceção foi a luta pessoal de Hélio Bicudo enfrentando o bando conhecido por “Esquadrão da Morte” chefiado pelo dublê de marginal e policial, o conhecido torturador e assassino profissional Sérgio Paranhos Fleury.

Os presos políticos denunciavam mesmo em situações adversas as torturas sofridas e confissões obtidas mediante suplícios e ainda assim denúncias eram oferecidas pelo Ministério Público e recebidas por Juizes ou Auditores da justiça militar.

Não podemos jamais esquecer que o Ministério Público tinha o descaramento de deflagrar processos utilizando confissões sabidamente obtidas sob tortura.

Com o advento da Constituição de 1988 não mudou muita coisa na definição dos fins a que deve servir esta instituição. Em termos práticos, os órgãos do MP desempenham as mesmas funções da advocacia, constatado que não lhes cabe julgar. Analisada sob o critério da tradicional tripartição das funções do Estado verifica-se que não tem caráter definido, não pertencendo a nenhuma das funções básicas do Estado (executiva, legislativa ou judicial).

Enfim, sendo uma instituição sem caráter lhe foi reservada a incumbência genérica de defesa da ordem jurídica (Art. 127 da Constituição Federal). Assim, seus órgãos esmeram-se em servir as forças políticas que impuseram à nação a Constituição de 1988 com o mesmo regalo com que serviram à ditadura.

É desta maneira, sem fazer o esforço cerebral de uma ameba para entender o protagonismo político das classes e grupos sociais na luta para inovar a ordem jurídica através de novas leis que lhes assegure direitos -  principalmente leis que veiculem políticas distributivas de renda -, que o Ministério Público considera inimigos os movimentos sociais, o PT e demais forças políticas que se insurgem pelas vias normais da participação política contra uma ordem econômica extremamente injusta, embora respaldada em verniz de juridicidade.

É esta instituição que está manejando ações contra o PT e contra o PSDB no STF. Vejamos a atuação nos dois casos. Os fatos envolvendo o PT e o PSDB são muito parecidos, o uso do conhecido Caixa 2, como admite o próprio Procurador-Geral da República na fl. 15 da DENÚNCIA da Ação Penal 470: “Em conclusão, pode-se afirmar que o esquema embrião do que atualmente é chamado “Mensalão” destinou-se ao financiamento da campanha política do candidato ao Governo do Estado de Minas Gerais Eduardo Azeredo, encontrando-se, como já foi afirmado, sob apuração no inquérito 2280, que também tramita perante essa corte.” 

Na verdade os fatos envolvendo o PSDB são muito mais graves pois está provada a origem pública da grana envolvida, dinheiro subtraído do Estado de Minas Gerais e das estatais mineiras. No caso do PT a grana adveio de empréstimos feitos pelo partido no BMG e no Banco Rural e pela SMP&B e transferidos ao partido.

Quando o Ministério Público tenta introduzir à força dinheiro público no Caixa 2 do PT é através das acusações a João Paulo Cunha e a Henrique Pizzolato.  

Tendo vindo à tona em 2005 o "mensalão" do PT como foi chamado pela mídia golpista, o caso teve denúncia oferecida em 2006 e foi julgado em 2012.  
 
Mesmo sendo de 1998, o mensalão do PSDB só teve a denúncia oferecida quase 10 anos depois, em novembro de 2007, pelo Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros, e recebida em 2008 pelo STF. Não existe previsão de quando será julgado, engatinha ainda na oitiva das testemunhas. Possivelmente ocorrerá a prescrição de vários crimes. Será que por baixo deste angu-de-caroço existe prevaricação[2]?

O papel do Poder Judiciário

A esquerda sempre lutou para defender e representar o povo. Contudo, seus recursos humanos e materiais sempre estiveram aquém desta hercúlea tarefa.

Depois do fim oficial da ditadura, reduzida aos sobreviventes e com problemas em desproporção aos seus recursos humanos, a esquerda está descobrindo agora com o julgamento do que a mídia golpista chamou de “mensalão” o que é de fato o Poder Judiciário, como funciona, como são recrutados seus membros e as conseqüências desta estrutura.

Enfim, foi desta maneira que o Poder Judiciário nunca foi objeto de estudo metódico da esquerda, que se preocupa em disputar o Executivo e o Legislativo ignorando a história do modus faciendi do poder que condenou à morte até Jesus Cristo.

Toda ditadura é contra o povo - atenta contra a soberania popular -, e depois do fim da infame a esquerda e os movimentos sociais estavam praticamente reduzidos a escombros, com grande parte de seus melhores quadros mortos ou encarcerados faltava gente para repensar os problemas da sociedade brasileira.

Este prejuízo é incalculável, a ditadura matou jovens em que a média da idade era de 23 anos, os melhores de uma geração, que poderiam ser os  melhores quadros do país e obstou a participação política e a formação política de quando nada duas gerações. A mediocridade e a predominância na classe política dos que almejam só meter algum no bolso nos dias de hoje é a conseqüência.

Sem força política no momento em que se reestruturava e redemocratizava o Estado brasileiro depois de 21 anos sem Constituição, sob uma ditadura, a esquerda e a sociedade civil na Constituinte de 1988 tiveram que “engolir”, sem tugir nem mugir, as imposições do “centrão”[3].

Assim, vingou a mais crua face da realidade política: quem tem o poder escreve a lei, a principal fonte do direito. E na Constituinte de 1988 o “centrão” nadava de braçada, escrevia o que queria na futura Lei Maior do país.

E de duas coisas os obstinados direitistas não abriam mão: um Poder Judiciário tal qual temos, bem como um Sistema Tributário em que proporcionalmente aos patrimônios empregados pagam mais impostos que patrões.

O Poder Judiciário que o “centrão” escreveu na Constituição de 1988 se estrutura tendo como base de sua pirâmide a magistratura monocrática, que é formada por juízes profissionais recrutados por concursos; somente uma pequena fatia da jurisdição de primeiro grau está sob o controle democrático da sociedade, a fração que julga os crimes dolosos contra a vida através do Tribunal do Júri.

Na outra parte, o maior quinhão da Jurisdição - os Tribunais e a magistratura monocrática -, um Poder da República (Art. 2º da Constituição Federal) é empalmado sem controle e à revelia da vontade do soberano, o povo, em franca colisão com o parágrafo único do art. 1º que está cinzelado com o seguinte teor: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.    

Deste modo o acesso à magistratura e a ascensão na carreira são controladas com mão de ferro pelos Desembargadores. Para qualquer das duas é preciso treinamento de espião profissional constatada a necessidade de dissimulação. Qualquer palavra que denote independência pode significar o fim do sonho de galgar os Tribunais e mourejar em uma Vara qualquer. Ou o novo juiz se enquadra e aprende a subir o pau-de-sebo ou pode ser até aposentado compulsoriamente. Usar decisões dos Tribunais por mais absurdas que sejam para balizar as suas é a senha para mostrar que está sintonizado com o jogo. Ser apadrinhado por alguém da cúpula é o canal, afinal de contas subserviência e puxa-saquismo são formas de subir na vida no Brasil.

O acesso aos Tribunais é obra de muita habilidade, coisa para italianos, de óculos escuros. Sei que existem exceções nos Tribunais e na magistratura, mas me interessa a regra, e além do mais a exceção só confirma a regra.

É este Judiciário que a esquerda está descobrindo agora, direitista por conveniência do carreirismo e corrupto até a medula. Por consequência é o principal inimigo dos movimentos sociais e da esquerda que não traiu os ideais de reforma da sociedade e do próprio Estado, que não pode ser instrumento nas mãos dos empedernidos direitistas que têm como desejo maior o controle da população em níveis de semi-escravidão.

Os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores estão despertando agora do sonho e mergulhando no pesadelo do encarceramento que fatalmente alcançará a todos os que não se vergarem e continuarem a insistir em efetivar políticas distributivas de renda.  


[1] O caixa 2 é definido como sendo todo recurso financeiro não contabilizado pelo caixa oficial do partido e destinado a cobrir gastos de campanhas (art. 22, § 3º da Lei n. 9.504/97 – Lei das Eleições).

[2] O crime de prevaricação está tipificado no TÍTULO XI do Código Penal, Dos Crimes Contra a Administração Pública, art. 319:
Prevaricação
Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”
  
[3] O “centrão” como ficou conhecido o Centro Democrático era um ajuntamento político que agregava os grupos mais conservadores da sociedade brasileira e reunia a maioria dos congressistas que urdiram a Constituição de 1988. Nele estava a nata do que existia de mais reacionário no país, membros do PFL, PDS, PMDB, PTB e de outros partidos sem significância numérica.      

Um comentário:

  1. Uma análise interessante. Pouca coisa se lê sobre este assunto. Parabéns!

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