sexta-feira, 5 de abril de 2013

As MEMÓRIAS de Gregório Bezerra

                                    Gregório Bezerra

Graças a uma amiga do facebook, Nádia Diniz, a quem agradeço agora, por ter mencionado Gregório Bezerra em uma de suas postagens reli as MEMÓRIAS deste homem singular. Foi uma satisfação inenarrável reler as recordações deste grande brasileiro, grande pela maneira como se entregou à luta política.

Como sabem meus amigos do facebook gosto de política, e aqui no Nordeste quando alguém gosta de uma coisa demais diz-se que o sujeito come com farinha, farinha de mandioca. É o meu caso e de mais alguns amigos porque estamos sempre lendo livros relativos a política em busca de lições práticas...

Política é paixão. A luta política se desenrola pela conquista da opinião pública e a opinião pública é bastante passional. Mais de 90% do universo da política é pura paixão, mesmo que sempre seja necessária a racionalização, a busca do cálculo político. E como estamos no universo da paixão, todos sabem, existem paixões não correspondidas...

Gregório era um homem formado pelo Partidão, que o alfabetizou e lhe deu toda a instrução política. Antes de conhecer o Partidão ele disse que era apenas um homem revoltado contra as injustiças sociais, não tinha uma doutrina que o orientasse na luta política.

Ele nasceu com o século XX, nasceu em 1900 e morreu em 1983; "tirou" 23 anos de cana, cumpriu pena de prisão por 23 anos, intercalados. Aos 17 foi condenado a 7 anos de reclusão, dos quais cumpriu 4 anos, 8 meses e 25 dias. Foi enterrado vivo nas enxovias do Recife por ter se entusiasmado com a Revolução Bolchevique, foi acusado e condenado como "perturbador da ordem pública" e de "insuflar empregados contra patrões". Ainda não existia o PCB, que foi fundado em 1922 e para o qual Gregório só viria a entrar em 1930.

Gregório era um homem de partido, disciplinadíssimo, não sectário, generoso e destemido. A cana mais brava ocorreu com o golpe de 1º de abril de 1964, quando ficou preso até 7 de setembro de 1969, ocasião em que foi libertado juntamente com mais 14 presos políticos em troca do embaixador americano raptado pela ALN e pelo MR-8.

Em 1964 Gregório estava com 64 anos de idade e foi preso enquanto desmoblizava trabalhadores na Zona Canavieira de Pernambuco que queriam defender Arraes e Jango com foices, enxadas, facões. Gregório evitou o que o Exército mais queria para impor sua força, um massacre da massa camponesa desarmada.

Dirigiu-se aos engenhos de Catende, Palmares, Águas Pretas, Gameleira, Ribeirão e alguns outros mais para desmobilizar os trabalhadores rurais que esperavam armas para resistir, conforme Gregório tinha prometido.

Em Ribeirão, na sede do sindicato encontrou mais de 200 trabalhadores esperando as armas que tinha ido buscar e não tinha sido possível trazê-las pois quem tinha mais deveres de evitar o golpe tinha se omitido, negado fogo com quem estava disposto a não deixar a camarilha traidora do Brasil entregar o país ao imperialismo americano sem luta, o Exército Brasileiro, a traíra maior deste país, que agiu contra nacionais como se fosse um Exército de ocupação.

"A massa queria se dirigir ao Recife mesmo desarmada. É claro que não poderia permitir uma coisa dessas, pois seria um assassinato em massa." narrou Gregório na pág. 191 da segunda parte de suas MEMÓRIAS.

No Município de Cortês, PE, já passava de meia-noite quando encontrou mais de 200 trabalhadores esperando armas também para resistir e repor Arraes no poder. Fez uma breve preleção e explicou que: "Eterno é o povo. Eterna é a verdade." Explicou que a noite tenebrosa que os golpistas estavam trazendo para o povo passaria e que deveriam voltar para suas casas e aguardar no sindicato as instruções do partido pois naquele momento não existiam armas, não se tinha meios para resistir ao golpe dos serviçais do imperialismo americano. 


Estava angustiado, tinha feito o possível para preparar o povo, preparar os trabalhadores para a luta, e chegado o momento não existiam armas para a resistência; tinha de desmobilizá-los pois era necessário evitar um massacre inútil. Ele sabia pela experiência que no Brasil a todo período de liberdade, participação política e conquistas dos assalariados advinha uma revanche. 

Todo o trabalho de Gregório antes de 1964 na Zona Canavieira de Pernambuco consistia em estender aos trabalhadores rurais direitos previstos na CLT apenas para os trabalhadores urbanos, como o direito à sindicalização, a luta contra o trabalho gratuito, a semi-escravidão inserta no cambão, na meia, na terça e no vale do barracão.

Ele foi preso ainda no Município de Cortês e quase foi trucidado logo aí. Antes fosse pois foi torturado de maneira sádica pelo Coronel Villoc, secundado pelo General Bandeira, arrastado pelas ruas do Recife com cordas penduradas no pescoço. Foi salvo pelo clamor público, que pela tv via o espetáculo sádico do Exército e telefonava pedindo para que parasse a covardia.

Gregório lutava nos anos que antecederam 1964 contra a semi-escravidão como o PT hoje luta para libertar a classe trabalhadora, e as domésticas em particular, do trabalho semi-escravo.

Gregório era um cabra macho (o maior elogio que um nordestino faz a outro), um lutador do povo, herói e orgulho do povo brasileiro.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

AS MARCAS INDELÉVEIS DA DITADURA


       

Hoje, 1º de abril de 2013, faz 49 anos da ocorrência do golpe militar que mergulhou o país na mais perversa ditadura do período republicano. 

Em um levantamento provisório e estimado por baixo, enquanto durou o regime de banditismo oficial aproximadamente 50 mil pessoas passaram por prisões por motivos políticos, aproximadamente 20 mil foram submetidas a torturas, 360 militantes de esquerda foram assassinados, somados os mortos e os desaparecidos (levantamento atualizado aponta 379), 11 mil indiciados e processados em 800 processos por crimes contra a segurança nacional, centenas de condenações a penas de prisão, 4 condenações a pena de morte, 130 banidos, 780 cassações de direitos políticos por dez anos, milhares de exilados, incontáveis reformas, aposentadorias compulsórias, e exoneração do serviço público por atos arbitrários dos detentores do poder.[1]      

Estes dados estatísticos são significativos mas não revelam toda a extensão do dano causado à sociedade no que diz respeito ao estiolamento das instituições, humilhação, escárnio e terror pelos quais passaram várias gerações enquanto durou a ditadura.    

O Exército ao tomar o poder com o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 e instalar uma ditadura contra o povo se voltou contra a sociedade, principalmente contra os cidadãos altivos, que passaram a ser tratados como inimigos declarados ou olhados com hostilidade e suspeição pelos usurpadores do poder.

Uma ditadura para justificar sua violência precisa de inimigos, reais ou inventados, e para tanto, espezinha, desafia e provoca os cidadãos para a briga. Os mais altivos combatem-na com todos os meios e armas disponíveis, como deve ser.


Foi assim inventando inimigos, desafiando e espezinhando os cidadãos que a ditadura dos militares subjugou todas as instituições da sociedade brasileira não obstante os fatos demonstrarem que o golpe teve um nítido viés classista. As centrais sindicais da época, PUA – Pacto de Unidade e Ação -, e CGT – Comando Geral dos Trabalhadores – logo após o golpe foram postas na ilegalidade. Em 21 anos de ditadura mais de 3.000 sindicatos foram fechados e colocados sob intervenção, nenhum era do patronato ou dirigido por sindicalistas corruptos.

Não devemos jamais esquecer que abolido o direito de greve pela ditadura, a massa assalariada ficou submetida a regime de trabalho semi-escravo, constatada a impossibilidade de organização sindical.

Instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, Congresso Nacional, sucumbiram todas, exceto parte da Igreja Católica - aquela fração que não apoiou o golpe -, isto porque os militares não podiam retirar os empregos de padres, bispos ou cardeais. 

 O ponto final posto à ditadura foi obra do próprio Exército, e como é sabido, a tentativa civil de derrotá-la, apesar de todo heroísmo e desprendimento não foi bem sucedida. Com o fim da ditadura (1964-1985) o Exército foi taticamente derrotado, sua ala denominada de “linha dura” foi enquadrada e aquartelada pelo “grupo da Sorbonne” ou castelistas, seguidores de Castelo Branco (1964-67), alijados do poder com a ascensão de Costa e Silva (1967-69) e Médici (1969-74), que retornaram ao poder com Geisel (1974-79).

O grupo castelista liderado por Geisel e Golbery - os mesmos que tinham conspirado para depor Jango atentando contra a democracia e a República -, voltou ao poder para retirar o Exército da entalada em que tinha entrado: tomar o poder golpeando a soberania popular, fazer uma ditadura pondo-se contra o povo e não ter prazo e nem saber como sair do poder sem ter culpabilizados pelos desmandos e crimes de diversas naturezas.  

Foi desta maneira que o Exército foi taticamente derrotado mas estrategicamente vencedor pois a longo prazo a sociedade brasileira estaria grandemente moldada nos termos almejados pelos assaltantes do poder em 1964: “A essência das ditaduras não está naquilo que elas fazem para se perpetuar, mas naquilo que a partir de certo momento já não precisam fazer.”[2]

Os danos morais – covardia, delação, puxa-saquismo


É desta maneira que se pode entender que uma ditadura não termina com seu fim oficial, suas marcas e danos causados às instituições, valores e psicologia social permanecem por muito tempo, tanto no sentido de repulsa como de permanência do que foi inoculado à força no tecido social. 

Sabedor de que o poder tem origem psico-sociais, o Exército aplicou-se em moldar e criar novos hábitos, costumes, moral e psicologia de massas para obter algum consentimento do povo. Assim, valeu-se largamente da cenoura e do porrete para formar o tipo de cidadão que servia à perfeição para seu desiderato ditatorial. Quem não se deixasse submeter pela força das armas teria que está disposto a morrer, ser torturado, cumprir longas penas ou passar por processos administrativos e judiciais humilhantes ou buscar rapidamente o caminho do exílio.

É sabido que a consciência cívica de que os detentores do poder não podem exercê-lo de maneira tirânica - algozes do cidadão a lhe suprimir direitos fundamentais e infligir tormentos e humilhações -, dificilmente está ao alcance de analfabetos e semi-analfabetos.

Deste modo, a ditadura iniciou de imediato a perseguição a artistas, cientistas, intelectuais e o desmonte da escola pública, começando por lhe retirar a qualidade por todos os meios possíveis, da destruição da carreira de professor pelo aviltamento dos salários à supressão de métodos que imprimiam melhor qualidade ao ensino, coisas que até hoje, passados vinte e quatro anos do fim oficial da infame ainda não foram recuperadas.   

Para impor o medo e controlar a sociedade pela coação o Exército turbinou seu próprio aparato de espionagem e repressão, a chamada 2ª Seção, organizando os DOI-CODI’s, mas acima de tudo para este serviço sujo contou com as polícias civis e militares, a polícia federal e as famigeradas DOPS – Delegacias de Ordem Política e Social.  

Mesmo se valendo da força para se impor aos opositores pela tortura, ameaça ou assassinato, para pôr de joelhos, intimidar ou aniquilar os que não se deixavam submeter, a delação, a subserviência e a bajulação foram incentivadas e premiadas ao máximo pelos usurpadores do poder.  

O Exército sabia que sem uma corrente de apoio de incontáveis puxa-sacos nenhuma ditadura se firma. Foi este tipo de cidadão, o puxa-saco, que caiu nas graças do Exército, que obteve emprego no Estado sem concurso público, financiamento com juros subsidiados e todos os tipos de benesses usados pela ditadura para cooptar e obter alguma legitimidade.

Estes métodos usados pela ditadura para obter o silêncio dos cidadãos marcou profundamente a sociedade brasileira, formando várias gerações de cidadãos subservientes, sem altivez, malandros, safados; é o que temos hoje em larga escala do espectro social, a contagiar como peste partidos políticos, empresas e demais ambientes sociais.

Este tipo de cidadão não tem fibra nem altivez para opor-se a qualquer ditadura; subserviente, bajulador, semi-analfabeto e malandro, não lhe afeta as humilhações pelas quais passa uma pessoa desonesta nem os ultrajes impostos pelas autoridades em um regime que viola os DIREITOS HUMANOS; raciocina que caso se mostre servil poderá safar-se ou até retirar algum proveito. É a cereja do bolo do tipo de cidadão que a ditadura cultivava em seu celeiro com cenoura e porrete.

Contudo, para desalento dos criminosos que assaltaram o poder, seus sequazes e viúvas, ficaram exemplos de resistência tenaz incorporados ao repertório dos movimentos sociais e políticos. Pela primeira vez na história do Brasil uma ditadura foi enfrentada por civis que decidiram se insurgir pela luta armada e não se deixar subjugar sem luta ou até mesmo preferir a morte a se deixar pôr de joelhos por seus algozes.

Cidadãos como o baiano Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, Franklin Martins, Ricardo Zaratini, Cap. Carlos Lamarca, Zequinha Barreto, João Leonardo Rocha, Carlos Eugênio da Paz, Osvaldo Orlando da Costa, Inês Etiene Romeu, Aurora Nascimento Furtado, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, e tantos outros, milhares, ofereceram a mais tenaz resistência ao terror de Estado que se abateu sobre a República. 

O sangue derramado e o sacrifício destes brasileiros não foi em vão, o exemplo de resistência ficou e contagiou. Outra ditadura: NUNCA MAIS.





[1] GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo. Ed. Ática. 6ª ed., 2ª impressão. P. 269-70.
[2] GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo. Companhia das Letras. 2002. P. 232.