quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A história de um menino brasileiro que resistiu à ditadura 

                            

César Benjamin 


Vejam este vídeo no link abaixo, um depoimento de Cesar Benjamin, o menino herói do povo brasileiro. Cesinha pertencia ao MR-8 e foi preso aos 17 anos de idade em agosto de 1971 no Rio Vermelho, bairro de Salvador; foi torturado durante 30 horas seguidas pois ele foi a pessoa que dirigiu a kombi que trouxe Lamarca e Iara do Rio de Janeiro para a Bahia e amargou mais de 3 anos em cela solitária dos 5 que passou encarcerado.

Neste vídeo Cesinha narra sobre sua prisão ilegal por 5 anos, libertação e exílio, depois de colocado em um avião pela polícia federal pois os facínoras do CENIMAR - Centro de Informações da Marinha -,  planejavam matá-lo.
Assistam ao vídeo e confiram a história deste grande brasileiro que lutou pela liberdade contra a ditadura dos criminosos fardados do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Sobre os 5 anos de cárcere assim escreveu ele nas raras vezes que tocou no assunto:[1]
"A prisão na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

 Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano. 

 Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma idéia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal". 
 Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite. 

Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes - "sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa - durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. 

 A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos. 

Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. 

Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile. Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo. Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles. 

 Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor. 

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação. 

 Lembro-me com emoção - toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado - do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar. 

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura. 

 Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora."


[1] 27/11/2009,  na Folha de S. Paulo.

Depoimento de César Benjamin à Comissão da Verdade da OAB/RJ ~ Molina ... Soltando o verbo ...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

  O JULGAMENTO DOS 38 RÉUS DO “MENSALÃO”


 
                     

Aos dois ou três leitores que ainda lêem o que posto neste blog peço-lhes desculpas por tanto tempo sem pôr nada aqui. Farei todo o empenho de agora em diante para reduzir o tempo entre uma postagem e outra. 

Como é do conhecimento de todos, começa amanhã, 2 de agosto, o julgamento dos 38 réus do que a mídia facciosa chama de “mensalão”. O neologismo foi inventado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, que depois renegou-o, mas vestiu com perfeição os intentos da mídia direitista - inimiga da distribuição de renda e da democracia -, na tarefa de linchar moralmente os acusados e em particular José Dirceu, uma das lideranças mais expressivas do Partido dos Trabalhadores, que hoje poderia ser presidente da República se não fosse a esquisita acusação, como veremos em outro post. 

Indiscutível que muita coisa está em jogo neste julgamento. A primeira é a isenção do STF. Há muito este Tribunal está sendo pressionado pela mídia golpista para efetuar uma degola dos acusados, que são de diversos partidos, mas a mídia reverbera como se fossem todos do PT e todos culpados antes de serem julgados, e ainda coloca o ex-presidente Lula, que sequer é processado, no foco de seus principais jornais. 

Todos os que um dia bateram às portas do Poder Judiciário descobriram que somos um país de muitas leis e de pouca justiça. Esta constatação nos impõe a necessidade de produzir uma cultura factual e crítica sobre o Judiciário brasileiro para o reformarmos com urgência, submetendo-o aos princípios republicanos e democráticos pois como se encontra é uma trava à efetivação de direitos conquistados e ao avanço para conquistar uma cidadania mais efetiva e substancial, aquela que nos torna mais iguais, cidadãos de fato.

Tenho as piores impressões do Judiciário brasileiro, meu contato com membros desta corporação permite-me concluir que é classista, corrupto até a medula e direitista. 

O viés político do STF foi demonstrado várias vezes na história política republicana: no julgamento da extradição de Olga Benário, que foi entregue pelo STF grávida à Gestapo e morreu em um campo de concentração nazista; no julgamento da ADPF 153-6/800, que interpretou como extensível aos torturadores e homicidas da ditadura de 1964 a anistia da Lei nº 6.683/1979 ocorreu uma clara falsificação interpretativa do texto legal para beneficiar os cometedores de crimes imprescritíveis e insuscetíveis de anistia; basta ler a petição inicial assinada pelo professor Fábio Konder Comparato, advogado do Conselho Federal da OAB para o caso, para se verificar a artimanha.

Este último caso dá uma idéia do lado político do STF. Ministros da mais alta corte do Poder  do Judiciário: Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes, Cézar Peluso, não têem pruridos de mostrar toda a má vontade quando o assunto diz respeito à esquerda, nem que seja tangencialmente.

Quem tem contato com o Judiciário sabe do direitismo dos juízes, a bronca que nutrem pelos movimentos sociais, por pessoas que invocam direitos e o cumprimento das leis, pois nada os irrita mais que invocar a igualdade, o tratamento sem reverências e adulações, a igualdade substancial, a condição de cidadão e não de súdito.

A chamada polícia judiciária, a polícia, seja civil, militar ou federal  também reza pela mesma cartilha; até promotores se acham autoridades e também invocam reverências e adulações; simples funcionários do Judiciário também se imbuem na condição de impor sua cota de humilhações aos cidadãos. 

A polícia nunca se livrou do estigma de “capitães-do-mato”, cães de guarda de uma ordem ilegítima na época da ditadura; continua repleta de assassinos covardes, corruptos e continua praticando embora de maneira um tanto reduzida as mesmas barbaridades da época da infame.

O Ministério Público também tem seu lixo embaixo do tapete esperando um ventilador pois invocou os mesmos diplomas espúrios para processar cidadãos e fez de conta que não existiam flagrantes e conhecidas violação dos DIREITOS HUMANOS.

Não podemos esquecer que o Judiciário brasileiro foi cúmplice da ditadura instalada em 1964, fez de conta que não vivíamos em uma ordem de fato, sem nenhum amparo legítimo; aplicou uma legislação de fato, como por exemplo os famigerados Atos Institucionais, os decretos-leis e de “leis” aprovadas por decurso de prazo e, por conseguinte, sem nenhuma legitimidade, fruto da vontade do ditador e com flagrante violação dos direitos individuais.

É este poder com laivos do Estado escravocrata - mergulhado em um caldo de cultura do projeto fascista iniciado no começo do século passado e ainda não de todo expiado da sociedade brasileira - que irá julgar pessoas de esquerda.