quinta-feira, 15 de novembro de 2012



                        A condenação de Zé Dirceu



José Dirceu: na arena


A condenação de José Dirceu causou um grande dano ao Partido dos Trabalhadores; alguns tinham esperança de que não ocorresse, mas quem conhece um pouco o Poder Judiciário brasileiro não deixava de levar em conta uma provável condenação, mesmo com a falta de provas era possível que ele fosse condenado; era factível que o julgamento político acobertado por um discurso pretensamente jurídico prevalecesse, como de fato prevaleceu.

Antes de analisar o mérito do julgamento, a ausência de provas, quero tecer algumas considerações sobre o Judiciário, sua estrutura substancialmente intocada advinda do Estado escravocrata e monarquista e a mentalidade carreirista, direitista por conveniência, dos magistrados.

Juizes profissionais e corporativismo

Quem conhece o Judiciário sabe que juízes profissionais aspiram chegar ao topo da carreira, serem desembargadores nos Tribunais de Justiça, chegarem ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal.

Esta mentalidade carreirista é orientada pelo faro usado para descobrir para que lado se inclina o poder; querem sempre “jogar no time que está ganhando”, e o time que sempre ganha no jogo político é o time da direita, as vitórias da esquerda sempre têm sido breves, temporárias. Desta maneira, por conveniência e carreirismo juízes são direitistas e balizam suas decisões para galgarem os cumes do poder a que servem.

Além disso, a história do Poder Judiciário brasileiro é de vilezas contra a esquerda. Em 1936 o STF autorizou a extradição de Olga Benário Prestes grávida de Luis Carlos Prestes para ser entregue a Hitler e morrer em um campo de concentração em 1942. Nenhum argumento foi capaz de demover os Ministros do Supremo a denegarem a extradição, para eles a moça era "perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do País".

Em 7 de maio de 1947 o TSE – Tribunal Superior Eleitoral -, cassou o registro do Partido Comunista do Brasil sob a esfarrapada desculpa de que o PC do B, como se chamava na época o PCB, era “do Brasil, mas não era brasileiro”, e recebia orientação do PCUS – Partido Comunista da União Soviética.

Além destas claras manifestações de opção de classe não devemos deixar cair no esquecimento que o Poder Judiciário brasileiro e em particular os Tribunais Superiores conviveram sem choques com sucessivas ditaduras como se vivessem no melhor dos mundos.

Enquanto durou a ditadura produto do golpe de Estado 1964, Ministros e juízes aplicaram toda uma legislação de fato produzida pela vontade exclusiva do ditador como a esdrúxula figura dos decretos-leis, leis aprovadas por decurso de prazo ou por um Congresso posto de joelhos mediante as sucessivas levas de cassações de mandatos. Emprestaram a aparência de legalidade ao que era fruto da pura arbitrariedade e violência cometida contra a soberania popular.

Como coroamento deste conluio, o órgão de cúpula do Poder Judiciário no julgamento da ADPF- 153/DF – Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental -, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB por maioria anistiou os torturadores homiziando a canalha que tomou de assalto o Estado em 1964 cometendo todo tipo de ilicitudes.

Esta ação objetivava a declaração da incompatibilidade da Lei nº 6.683/1979 com a auto-anistia dos torturadores e com a Constituição de 1988. Com esta decisão o período da ditadura (1964-1985), da mais absoluta ilegalidade visto que o país vivia sem Constituição, é como se não tivesse existido. Não olvidamos que sem a tradicional tripartição do poder não existe Constituição nem democracia ou república e o governo de fato, uma ditadura, não tem legitimidade.  

Os onze Ministros do STF

Foi este órgão do Poder Judiciário que a mídia golpista pressionou pela condenação de José Dirceu e de outros membros do PT colocando a faca no pescoço de alguns Ministros, que tremeram diante da possibilidade de suas vidas serem o assunto do jornalismo de esgoto.

Pressionados pelo Partido da Imprensa Golpista que os ameaçava com o linchamento midiático dispensados aos réus alguns Ministros preferiam romper garantias constitucionais a enfrentarem as conseqüências da campanha de ódio. Em razão da manipulação da opinião pública com o intuito de levá-la à histeria, o Ministro Lewandovski foi hostilizado em aeroporto e objeto de escárnio quando compareceu na seção eleitoral em que vota. Era daí para baixo o que estava reservado a qualquer Ministro que votasse pela absolvição de Zé Dirceu e Genoíno. 

Outros Ministros, Marco Aurélio de Mello e Cezar Peluso e Gilmar Mendes votaram pela condenação com satisfação, com gosto de sangue na boca, tal a sanha de mandar petistas para a cadeia, principalmente os ex-guerrilheiros.

Em um ato de confissão ideológica e preferência política Gilmar Mendes foi (dia 16 outubro) ao lançamento em Brasília do panfleto ordinário, O país dos petralhas, II, garatujado pelo pistoleiro da famiglia Civita, Reinaldo Azevedo. Em qualquer país civilizado seria motivo para ser alegada a suspeição e o impedimento deste cidadão participar do julgamento de pessoas de um partido que ele declaradamente odeia.

A parcialidade do Ministro Marco Aurélio de Mello é confessada sem pejo; declarou em entrevista que a ditadura militar foi um "mal necessário". Se as vítimas e familiares das vítimas da ditadura cuspirem neste cidadão onde o encontrarem não será nenhuma novidade.

A ausência de requisito moral para ser membro de um tribunal encarregado de zelar pela integridade da Constituição é manifesta no caso do Ministro Marco Aurélio: defende uma ditadura, balbucia justificar uma forma de governo sem Constituição, sem divisão dos poderes, a mais absoluta ilegalidade. É um marginal em potencial, um direitista fadado a acobertar a delinquência da força contra o direito. Foi por gente deste naipe que a esquerda foi julgada nos anos da ditadura e foi agora com esta estória de "mensalão"...

A “nova” ideologia da direita – a “caça” aos corruptos

As campanhas de ódio orquestradas pela direita até o colapso do “socialismo real” em 1989 usavam o anticomunismo para destruir a reputação de adversários e satanizá-los perante a opinião pública; só eventualmente recorriam ao falso moralismo sob a forma de combate à corrupção. Carlos Lacerda, arauto da UDN – União Democrática Nacional -, o partido mais loquaz da direita, e Jânio Quadros recorreram a este expediente para construírem suas imagens públicas e ocultarem a vocação autoritária.  

Com a eleição do presidente Lula em 2001 e sem poder recorrer ao anticomunismo para enganar aos desavisados a direita retomou o discurso do falso moralismo, o “combate” à corrupção, consistindo o auge desta satanização o chamado “mensalão”. Isto não pode ser olvidado pois o real objetivo é golpear a esquerda e a democracia pelas bordas.

Foi em meio a este barulho provocado por mais uma campanha de ódio lançada pela direita ideológica que maneja os meios de comunicação que membros da direção nacional do Partido dos Trabalhadores foram julgados. 

A ausência de provas

Não existem fatos a ensejaram a condenação de José Dirceu por formação de quadrilha e corrupção ativa e os juízos para ampararem a condenação são ilações, juízos de probabilidade e ruptura de garantias constitucionais mínimas, pois não existem provas, e como é sabido, fatos não provados são fatos inexistentes.    
 
Para entender a condenação de Dirceu pelo STF é preciso entender que a perseguição começou com a cassação do mandato de deputado federal em 2005 por quebra de decoro. Quem quiser aferir se houve ou não prova da imputação que resultou na perda do mandato basta ler a principal peça do processo que tramitou no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o Relatório do Dep. Júlio Delgado, de leitura rápida à vista que só tem 52 folhas.

Quem se der ao trabalho de ler o Relatório constatará que não existe naquela peça nenhum ato praticado pelo ex-deputado,por conseguinte nenhuma prova que justificasse a cassação do mandato. Foi perpetrado um julgamento político, usou-se o poder da maioria para a degola de um adversário, mandando às favas a ética e o direito.  

Contudo, quem quiser ler o Relatório em busca de fatos e provas não perderá de todo o seu tempo à vista de que se deparará com ficção, de mal gosto, mas fantasia. Colhi uma pérola ao acaso, para entretenimento, ipsis literis, fl. 44:

Tudo leva a crer que a cúpula do PT levou para dentro do governo Lula dois conceitos marxistas: que os fins justificam os meios reprováveis e que o partido está acima do Estado“.. 

Lendo esta assertiva só se pode concluir que o sujeito que produziu este engodo só pode ser um mitômano porquanto estes dois “conceitos” não existem na obra de Karl Marx. Por que ele não citou a obra, a fonte?

Acusar alguém sem provas é uma tarefa aviltante visto que expõe o acusador a mostrar a face torpe. Isto aconteceu na fl. 45 do citado Relatório, ipsis literis:

A denúncia que chegou a este Conselho é de que arquiteto deste espetáculo de corrupção seria o poderoso homem forte do governo e o principal comandante do PT, deputado José Dirceu de Oliveira e Silva. A lógica humana nos permite, através do acúmulo de evidências irrefutáveis, que o Deputado José Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos poderes para impedir que tais práticas prosperassem.”

Na assertiva acima é perceptível de imediato a ausência de provas. Portanto, o mandato foi cassado com base em ilações e juízos forçados de imputação.   

Se a verificação da ausência de provas para a cassação do mandato na Câmara dos Deputados é fácil de ser verificada, nos autos da Ação Penal 470, apesar dos 50 volumes, também pode ser certificada sem esforço demasiado, sem ler todas as peças dos autos, basta que se leia a denúncia e as ALEGAÇÕES FINAIS oferecidas pelo Ministério Público.

Estas são as duas peças mais importantes produzidas pela acusação nos autos.  A denúncia tem 136 folhas (aqui) e as ALEGAÇÕES FINAIS tem 390 e estão disponíveis na web.

Para quem não tem contato com o direito penal informo aqui de maneira abreviada que é na denúncia que o Ministério Público tem o dever de descrever e individualizar a conduta do acusado subsumindo-a a um tipo penal, conduta esta que caberá à acusação provar durante a instrução do processo.

Nas ALEGAÇÕES FINAIS, também chamadas de MEMORIAL, acusação e defesa analisam provas explicitando o conteúdo e inferindo conclusões. Já na DENÚNCIA constata-se que a mesma foi inepta em relação a Dirceu porquanto não individualizou sua conduta. Para alcançar seu intento persecutório o Procurador–Geral imputou como existindo as práticas de delitos em grupos especializados e que Dirceu fazia parte do núcleo político, resumindo, não praticou o que lhe era imputado mais era o responsável por tudo.

Da leitura das ALEGAÇÕES interpostas pelo Procurador-Geral não se vê nenhuma prova, registro de um fato, mencionada que possa incriminar Dirceu. Repetiu-se a arenga ensaiada no Relatório do deputado Júlio Delgado: ilações descoladas de fatos, pois inexistentes, e juízos de probabilidade para amparar uma imputação sem fundamento. Enfim, mais uma vez Dirceu era acusado por tudo e contra si nada foi provado, nenhuma conduta delituosa foi provada visto que sequer foi especificada na denúncia.

Foi desta maneira que Dirceu foi condenado. Pagou caro por ser quem é, ter participado da resistência armada contra a ditadura, ter construído um partido de esquerda com inserção no tecido mais extenso da sociedade brasileira e ter vencido adversários históricos.

Aqueles que pensam que tisnarão o Partido dos Trabalhadores com uma condenação injusta de seus militantes históricos e em particular de José Dirceu se enganaram pois macularão para sempre mesmo suas biografias pois facilmente aferível a falta de provas e a baixeza de uma condenação insustentável.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A história de um menino brasileiro que resistiu à ditadura 

                            

César Benjamin 


Vejam este vídeo no link abaixo, um depoimento de Cesar Benjamin, o menino herói do povo brasileiro. Cesinha pertencia ao MR-8 e foi preso aos 17 anos de idade em agosto de 1971 no Rio Vermelho, bairro de Salvador; foi torturado durante 30 horas seguidas pois ele foi a pessoa que dirigiu a kombi que trouxe Lamarca e Iara do Rio de Janeiro para a Bahia e amargou mais de 3 anos em cela solitária dos 5 que passou encarcerado.

Neste vídeo Cesinha narra sobre sua prisão ilegal por 5 anos, libertação e exílio, depois de colocado em um avião pela polícia federal pois os facínoras do CENIMAR - Centro de Informações da Marinha -,  planejavam matá-lo.
Assistam ao vídeo e confiram a história deste grande brasileiro que lutou pela liberdade contra a ditadura dos criminosos fardados do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Sobre os 5 anos de cárcere assim escreveu ele nas raras vezes que tocou no assunto:[1]
"A prisão na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

 Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano. 

 Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma idéia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal". 
 Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite. 

Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes - "sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa - durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. 

 A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos. 

Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. 

Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile. Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo. Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles. 

 Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor. 

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação. 

 Lembro-me com emoção - toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado - do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar. 

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura. 

 Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora."


[1] 27/11/2009,  na Folha de S. Paulo.

Depoimento de César Benjamin à Comissão da Verdade da OAB/RJ ~ Molina ... Soltando o verbo ...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

  O JULGAMENTO DOS 38 RÉUS DO “MENSALÃO”


 
                     

Aos dois ou três leitores que ainda lêem o que posto neste blog peço-lhes desculpas por tanto tempo sem pôr nada aqui. Farei todo o empenho de agora em diante para reduzir o tempo entre uma postagem e outra. 

Como é do conhecimento de todos, começa amanhã, 2 de agosto, o julgamento dos 38 réus do que a mídia facciosa chama de “mensalão”. O neologismo foi inventado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, que depois renegou-o, mas vestiu com perfeição os intentos da mídia direitista - inimiga da distribuição de renda e da democracia -, na tarefa de linchar moralmente os acusados e em particular José Dirceu, uma das lideranças mais expressivas do Partido dos Trabalhadores, que hoje poderia ser presidente da República se não fosse a esquisita acusação, como veremos em outro post. 

Indiscutível que muita coisa está em jogo neste julgamento. A primeira é a isenção do STF. Há muito este Tribunal está sendo pressionado pela mídia golpista para efetuar uma degola dos acusados, que são de diversos partidos, mas a mídia reverbera como se fossem todos do PT e todos culpados antes de serem julgados, e ainda coloca o ex-presidente Lula, que sequer é processado, no foco de seus principais jornais. 

Todos os que um dia bateram às portas do Poder Judiciário descobriram que somos um país de muitas leis e de pouca justiça. Esta constatação nos impõe a necessidade de produzir uma cultura factual e crítica sobre o Judiciário brasileiro para o reformarmos com urgência, submetendo-o aos princípios republicanos e democráticos pois como se encontra é uma trava à efetivação de direitos conquistados e ao avanço para conquistar uma cidadania mais efetiva e substancial, aquela que nos torna mais iguais, cidadãos de fato.

Tenho as piores impressões do Judiciário brasileiro, meu contato com membros desta corporação permite-me concluir que é classista, corrupto até a medula e direitista. 

O viés político do STF foi demonstrado várias vezes na história política republicana: no julgamento da extradição de Olga Benário, que foi entregue pelo STF grávida à Gestapo e morreu em um campo de concentração nazista; no julgamento da ADPF 153-6/800, que interpretou como extensível aos torturadores e homicidas da ditadura de 1964 a anistia da Lei nº 6.683/1979 ocorreu uma clara falsificação interpretativa do texto legal para beneficiar os cometedores de crimes imprescritíveis e insuscetíveis de anistia; basta ler a petição inicial assinada pelo professor Fábio Konder Comparato, advogado do Conselho Federal da OAB para o caso, para se verificar a artimanha.

Este último caso dá uma idéia do lado político do STF. Ministros da mais alta corte do Poder  do Judiciário: Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes, Cézar Peluso, não têem pruridos de mostrar toda a má vontade quando o assunto diz respeito à esquerda, nem que seja tangencialmente.

Quem tem contato com o Judiciário sabe do direitismo dos juízes, a bronca que nutrem pelos movimentos sociais, por pessoas que invocam direitos e o cumprimento das leis, pois nada os irrita mais que invocar a igualdade, o tratamento sem reverências e adulações, a igualdade substancial, a condição de cidadão e não de súdito.

A chamada polícia judiciária, a polícia, seja civil, militar ou federal  também reza pela mesma cartilha; até promotores se acham autoridades e também invocam reverências e adulações; simples funcionários do Judiciário também se imbuem na condição de impor sua cota de humilhações aos cidadãos. 

A polícia nunca se livrou do estigma de “capitães-do-mato”, cães de guarda de uma ordem ilegítima na época da ditadura; continua repleta de assassinos covardes, corruptos e continua praticando embora de maneira um tanto reduzida as mesmas barbaridades da época da infame.

O Ministério Público também tem seu lixo embaixo do tapete esperando um ventilador pois invocou os mesmos diplomas espúrios para processar cidadãos e fez de conta que não existiam flagrantes e conhecidas violação dos DIREITOS HUMANOS.

Não podemos esquecer que o Judiciário brasileiro foi cúmplice da ditadura instalada em 1964, fez de conta que não vivíamos em uma ordem de fato, sem nenhum amparo legítimo; aplicou uma legislação de fato, como por exemplo os famigerados Atos Institucionais, os decretos-leis e de “leis” aprovadas por decurso de prazo e, por conseguinte, sem nenhuma legitimidade, fruto da vontade do ditador e com flagrante violação dos direitos individuais.

É este poder com laivos do Estado escravocrata - mergulhado em um caldo de cultura do projeto fascista iniciado no começo do século passado e ainda não de todo expiado da sociedade brasileira - que irá julgar pessoas de esquerda.

quinta-feira, 26 de abril de 2012


O STF, o “aborto” de anencéfalos e a arte de difamar      
        
                          
                                                                                                                 Difamadores amadores



Os Direitos Fundamentais do Cidadão

 As campanhas de ódio valem-se sempre do preconceito, apostam na ignorância e na capacidade de confundir a opinião pública. O alvo principal são aqueles cidadãos que se empenham em assegurar e ampliar os Direitos Fundamentais do Cidadão, os chamados DIREITOS HUMANOS, que por sua natureza existem para preservar a liberdade e a dignidade em face de outros cidadãos e do Estado.

Alguns destes direitos fundamentais tais como a livre manifestação do pensamento, a liberdade consciência e de crença, inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas inscritos no art. 5º, IV, VI, X, da Constituição Federal são os mais violados pelos agentes das campanhas de ódio.

O direito do cidadão defender livremente seu pensamento a respeito de quaisquer tema, seja religioso, político, filosófico ou científico é o primeiro a ser desrespeitado pelos propulsores das campanhas de ódio. Em um livro de Gore Vidal, "De fato e de ficção," ele aborda esta maneira de a direita infundir ruídos na comunicação e arrasar com seus adversários: o ardil consiste em vincular os inimigos a serem detratados a uma polêmica.

Instigar uma controvérsia, conduzir os inimigos a confessarem a falta de fé, a posicionar-se pela descriminalização das drogas ilícitas ou do aborto, reconhecer como legítimo civilmente o casamento de pessoas do mesmo sexo, ou veicular na mídia que o sujeito é gay ou lésbica, se mulher, em verdadeira incitação ao ódio e irracionalismo para intoxicar a opinião pública e manipulá-la é formula infalível para destruir a imagem pública e a reputação de adversários perante uma opinião pública de sociedades com laivos de medievalismo, dominada por religiões, preconceitos e outras manifestações de autoritarismo. Até difamadores amadores conhecem este mecanismo e conseguem tumultuar a comunicação e envolver adversários com razoável facilidade.

O cavalo de batalha preferido destas campanhas de ódio já foi o comunismo. Mas com a restauração do regime democrático em 1988 e o fim da Guerra Fria com o colapso do Capitalismo de Estado na Rússia e a dissolução da URSS este meio astucioso para provocar a histeria da opinião pública está bastante desmoralizado. Parte considerável da população faz questão de esquecer que um dia já foi embromada pelos grandes jornais que exigiam deposição de Jango acusando-o de ser um agente de Moscou conduzindo a opinião pública à histeria coletiva.

 Obviamente que os instigadores do ódio e da galvanização da opinião pública não  especificaram os muitos significados da palavra comunismo nem reconheceram que é um direito fundamental do cidadão defender a filosofia política que quiser, inclusive tem o direito de ser comunista. Assim, as campanhas de ódio anticomunistas já provocaram histeria na opinião pública até mesmo nos EUA.

De igual maneira omitem que dá palpites na vida sexual alheia sem ser convidado é no mínimo falta de educação pois é certa a violação ao direito que cada cidadão tem de ver sua vida privada e sua intimidade fora do alcance da curiosidade alheia. Além do mais o Código Penal assegura a liberdade sexual excluídas as condutas tipificadas como crime no Título VI, que trata dos crimes perpetrados contra a dignidade sexual.  

O “aborto” de anencéfalos

No momento o tema “quente”, aquele cuja agitação e discussão permite incitar a opinião pública contra adversários políticos é o aborto. Diga-se a propósito que este assunto tem sido utilizado para demonizar adversários desde a campanha para presidente da república em 2010. É de longe o mais utilizado para destruir a reputação dos adversários e manipular a opinião pública, constatado que a abordagem do tema é complexa, envolve direito, medicina, ética e até religião pois existem religiosos tentando contrabandear ou impor suas crenças sobre o tema.

Em face desta possibilidade de possíveis abordagens a predileção é inerente, pois permite confundir, provocar paixões, obnubilar as mentes e demonizar adversários mais facilmente.

Compreendendo por partes este tema, fazendo o oposto dos que querem confundir, se vê que a primeira coisa que tentam esconder é que o Estado brasileiro é laico e não pode ser instrumentalizado por nenhuma religião para impor suas crenças a ateus, agnósticos ou crentes de outras religiões.

Depois tentam esconder que do ponto de vista jurídico mesmo tendo o Pacto de São José da Costa Rica conceituado que a vida começa com a concepção o STF interpretou que a vida tem início catorze dias depois da fecundação do óvulo quando julgou a constitucionalidade da lei que regula a pesquisa com células tronco. Agora com o julgamento da ADPF que tratou do aborto de anencéfalos a divergência aflorou entre os ministros pois a posição majoritária fixou que sem a existência de cérebro não existe vida em potencial, daí não existir aborto em sentido jurídico, sé em sentido coloquial, em caso da interrupção da gestação de anencéfalos.

Para confundir e ilaquear a opinião pública vale tudo para os manipuladores profissionais, principalmente mentir. Mas gostam mesmo é do linchamento moral pelo incitamento da opinião pública ou simples ameaça de fazê-lo contra quem se opõe à manipulação.

Esquecem por conveniência que o Código Penal no art. 128 despenaliza o aborto se a concepção for resultado de estupro ou se o fruto da concepção for anencéfalo, o que se cometia anteriormente a esta decisão do STF sob a justa causa que é salvar a vida da gestante. Anote-se que entendeu o STF pelo voto da maioria de seus ministros que a interrupção de anencéfalo não é aborto, pois não há neste caso vida em potencial, não existe cérebro.

Então quando começa a vida humana? É do ponto de vista biológico, científico ou da medicina que a complexidade aumenta e não existe posição majoritária; isto é o mais ocultado pelos que desejam impor suas crenças como verdade absoluta. Como logo se vê, a resposta tem implicações sobre o tema aborto, entre outros mais como pesquisa com células tronco, pílula do dia seguinte e métodos contraceptivos.

Há quem defenda que a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide; quem defende esta posição é contra pílula do dia seguinte por considerá-la abortiva bem como é contra a pesquisa com células tronco e a fecundação in vitro, fora do útero.  Outros defendem que para existir vida humana é preciso existir coração e cérebro formados, o que implica aceitar que a vida começa a existir por volta da oitava semana depois da fecundação. Divergem destas posições os que defendem que a vida humana começa com a existência de pulmões e outros órgãos que permitam ao feto viver fora do útero, o que ocorre depois da vigésima quinta semana depois da concepção.

Com quando nada três respostas dada pela medicina para a questão que conceitua o marco temporal inicial da vida humana intra-uterina constata-se que não existe consenso nem no próprio STF. Assim, aquele que vier a escolher sua posição na discussão que a faça sabendo que não vai impô-la com base na ciência.

Pela complexidade do tema aborto, que envolve a resposta à pergunta quando começa a vida intra-uterina, ele é o preferido pelos detratores dos defensores dos Direitos Fundamentais, pois estes defendem a vida, a dignidade e a liberdade com ênfase e são muito facilmente envolvidos em uma polêmica infindável pelos manipuladores da opinião pública quando este é o assunto.

Agitar a defesa da vida sem dizer com base em que conceito; invocar princípios éticos sem dizer quais - possivelmente os princípios religiosos ou éticos retirados de sua própria religião para impor aos outros -, é apenas o meio com que os detratores dos Direitos Fundamentais se valem para alcançar um fim escuso que é a mistificação da opinião pública, demonizar adversários e manter o poder, que tem raízes psicosociais.

Contudo, com esta decisão sobre a interrupção da gestação de anencéfalos e outras decisões do STF alguma coisa se pode comemorar: o casamento civil de pessoas do mesmo sexo está difícil de ser manipulado pelos manipuladores de sempre, a liberdade de discutir a legalização das drogas proibidas está assegurada, demonizar os adversários como ateus ou comunistas está cada vez mais difícil, impedir pela intimidação que se discuta o aborto - quando nada nas hipóteses já asseguradas em lei -, ameaçando com o linchamento moral pelo incitamento da opinião pública perdeu força. 

Estas conquistas não são bagatela em uma sociedade que há pouco mais de 100 anos aboliu a escravidão, tem vivido sob sucessivas ditaduras supressoras dos Direitos Fundamentais - como todas as ditaduras -, tem uma quantidade absurda de analfabetos e é dominada pela OPUS DEI.

Não obstante, não se pode comemorar sem preocupações pois em uma sociedade em que o projeto fascista iniciado nas primeiras décadas do século passado ainda está longe de ser esgotado, sem poder aplicar a morte civil pela destruição da reputação a seus adversários a direita só terá como recurso para reconquistar o poder e manter um contingente de mão-de-obra de alguns milhões de pessoas em regime de semi-escravidão  a violência desnuda da ditadura.




sexta-feira, 13 de abril de 2012

            CAMPANHAS DE ÓDIO
 
 Já recebi em meu e-mail mensagens provenientes   de correntes com mensagens absolutamente inverídicas e algumas até veiculando fatos mas com interpretações completamente distorcidas e típicas de campanhas de incitação ao ódio. A última que recebi é veiculada utilizando uma suposta notícia com indignação de um professor do Rio Grande do Sul.      
O alvo da incitação ao ódio é a democracia, de maneira oblíqua, pois de  maneira direta são os políticos e todo o conjunto do ativismo político. Como recurso de comunicação usam o preconceito acoplado à imagem pública de artistas, celebridades e jogadores de futebol, normalmente.
Preconceito, ressentimento e ódio
 Valem-se do preconceito e de teorias conspiratórias para desestabilizarem a sempre hesitante classe média. Para estes propagandistas o grande mal é o Congresso Nacional, os partidos e os políticos, e obviamente a democracia e a liberdade, pois não existe democracia sem políticos, sem partidos, sem movimentos sociais e sem os demais canais de participação política do cidadão.

Para estes negadores da política e da própria liberdade não é a concentração de renda e o analfabetismo (herança ainda da escravidão) nem instituições herdadas do Estado escravocrata e monarquista - tão incapazes de responder às questões que lhe são postas - como o Poder Judiciário que merecem ser discutidas para serem modificadas ou erradicadas da sociedade brasileira - para estes irracionalistas e tapeadores basta suprimir a política.
 Os autores destas campanhas almejam amortecer o ativismo político com a desinformação propositada - contra-informação -, tentado incutir desilusão, desestabilização, confusão e ódio, apelando para o ressentimento entre a classe média, onde se encontra parcela significativa do contingente dos apoiadores da guinada à esquerda no espectro político   desde a eleição do ex-presidente Lula em 2001.
  
Este tipo de irracionalismo ressentido é negador dos principais valores em que se fundam a democracia e os Direitos Fundamentais do Cidadão, os chamados Direitos Humanos: a liberdade e o respeito que cada cidadão deve ter pelos direitos dos outros.  
  
Campanhas de ódio resultam em agressões e assassinatos
O alvo destas incitações ao ódio podem ser pessoas abstratas como um partido político ou determinada categoria de cidadãos. Quando dirigidas contra pessoas específicas é quase certa a ocorrência de agressões físicas.
 O anonimato sempre serviu para abrigar e encorajar caluniadores. Por isso internet é um campo fértil para a disseminação deste tipo de linchamento moral e o melhor nicho de recrutamento dos ressentidos.

Assim, devemos tomar cuidado com campanhas de ódio - seja por correntes de e-mail seja pelos meios de comunicação -, usando a imagem de pessoas famosas pois se trata de um recurso  hábil para incitar a mágoa gratuita, a inveja, o rancor, a intolerância e o desrespeito pelas regras de uma sociedade que aspira a ser substancialmente democrática.
Vamos refletir: não é o salário de Ronaldinho Gaúcho pagado por quem gosta devê-lo jogar futebol um problema para nós; não é o rebolado de Carla Perez ou as bobagens de Faustão que nos diminui; também não é a democracia e seus custos que nos avilta, mas a ditadura, a supressão da democracia; os salários dos representantes do povo e os custos das campanhas terão que ser objeto da Reforma Política que se faz urgente; também não nos desonra a eleição democrática do palhaço Tiririca por quem se dispôs a votar nele.
Todas estas coisas são legítimas e não podem ser recebidas como insulto, pois não são. No que diz respeito à vida intima de cada cidadão, a melhor política é que cada um deve cuidar da sua. Quando um cidadão começa a invadir a esfera privada de outros a paz social está ameaçada. Os pregadores do ódio sabem isso, buscam isso. 
O objetivo final destes pregadores do ódio é neutralizar a capacidade de pensar para assim induzir condutas políticas irracionais que resultam sempre em ditadura.  Anote-se que no Brasil todas as vezes que a participação popular aumentou, ao chegar a determinado ponto ocorreu golpe de Estado e ditadura, assim foi em 1954, que culminou com o suicídio de Vargas em face do golpe de Estado que se avizinhava; a tentativa de impedir por golpe a posse de JK e a igual tentativa de impedir Jango de tomar posse como presidente em 1961. 

Em 1964 depois de aprenderem que sem galvanizar a opinião pública desnorteando-a com mentiras, fracionamentos e condutas políticas irracionais jamais venceriam, os golpistas lograram êxito em vitimar o regime democrático e mergulhar a sociedade brasileira nas trevas de uma ditadura que suprimiu a liberdade e os Direitos Fundamentais do Cidadão.

O grande inimigo destas campanhas mal disfarçadas de ódio é a democracia, que para ser golpeada e substituída por uma ditadura os golpistas - a direita midiática, longa manus dos quartéis -, precisam antes fazer com que os cidadãos tomem-se de ódio irracional uns pelos outros, uma forma eficaz de subjugar contando com a aquiescência das próprias vítimas.